«A primeira parte de "Tabu" é a ressaca. A segunda, a bebedeira». É assim que o português Miguel Gomes tenta definir o seu último filme, um dos principais destaques da 36ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O cineasta está no Brasil para acompanhar as exibições do filme, aclamado no Festival de Berlim, de onde saiu com o prémio da Federação da Crítica Internacional e o Alfred Bauer, destinado ao filme mais inovador do evento.
"Tabu" é divido em duas partes: "paraíso perdido" e "paraíso", o que reafirma a analogia usada pelo realizador para explicar a linha temporal do filme. A experimentação do cinema do cineasta, no entanto, contrasta com a sua maneira simples. Entre um cigarro e uma bebida, Gomes recebeu os jornalistas à beira da piscina do hotel em que está hospedado. «Eu acho que tenho a obrigação de fazer um cinema diferente do que já foi feito até agora, mas não posso ignorar as minhas memórias», justifica, tentando ilustrar a dicotomia entre o tom nostálgico das suas obras e a sua linguagem ousada.
Segundo ele, a ideia do filme saiu de uma conjunção de memórias. «A primeira parte, eu retirei de conversas com uma pessoa da minha família. Ela tinha uma vizinha, que era uma velha senhora que tinha uma criada negra. Queria contar as histórias destas personagens, com vidas que parecem tão pouco interessantes numa Lisboa envelhecida», explica. Já a segunda metade do filme tem uma origem mais complexa.
A inspiração inicial veio de uma antiga banda de rock de Moçambique, que se apresentava interpretando clássicos de Elvis Presley e os Beatles. «Eu fiquei muito impressionado com a nostalgia que eles tinham de uma juventude perdida, das raparigas que eles olhavam, do tempo que já tinha ido». O saudosismo da banda, que ganhou uma espécie de releitura no filme, deu a Miguel Gomes a ideia de fazer um filme sobre «o tempo e a memória», abrindo espaço para que ele despejasse um arsenal de referências poéticas, que evocam inclusive a Hollywood clássica.
«Eu tenho consciência do meu tempo. Mas eu acho que não existe nenhuma contradição em querer fazer um cinema contemporâneo, um cinema-dúvida, que foge dos modelos definidos, mas onde eu acho que podem entrar o lado dramático, o lado exótico, o lado da grande narrativa. Acho que tem espaço pra tudo isso no cinema contemporâneo», decreta.
«A África que se vê no filme é uma África de mentira, uma caricatura do continente feita pelos colonizadores, uma variação da imagem que o cinema americano criou para a África nos anos 1940, 1950. Hoje eu percebo que as pessoas fazem um demasiado esforço para ser fiéis aos fatos, mas acho que no cinema existe espaço para a ficção», explica. É aí que Gomes cita uma de suas principais influências, o trabalho do cineasta alemão F. W. Murnau, autor de um filme homónimo ao seu, datado de 1931.
Mais de quinze filmes portugueses vão ser exibidos, a partir do dia 19, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que este ano se associa às celebrações do Ano de Portugal no Brasil, escreve a agência Lusa.
Na mostra brasileira, foram selecionados quatro filmes portugueses para a competição de Novos Realizadores: «A Casa», de Júlio Alves, «Estrada de Palha», de Rodrigo Areias, «Meu Caro Amigo Chico», de Joana Barra Vaz, e «O Frágil Som do Meu Motor», de Leonardo António. Júlio Alves e Rodrigo Areias estarão em São Paulo.
O festival dedicará ainda uma retrospetiva integral ao realizador Miguel Gomes, que estará presente com oito filmes, entre curtas e longas-metragens, nomeadamente o premiado «Tabu».
A propósito deste filme, premiado em fevereiro no festival de Berlim, estarão no Brasil a atriz Ana Moreira e o ator Carloto Cotta. O filme já foi vendido para mais de 40 países.
Com apresentações especiais, serão exibidos o documentário «O Manuscrito Perdido», de José Barahona, e «Linhas de Wellington», de Valeria Sermiento, este no âmbito de uma série de filmes dedicados ao realizador chileno Raul Ruiz.
Na secção Perspetiva Internacional foram selecionados «O Gebo e a Sombra», de Manoel de Oliveira, que levará a São Paulo as atrizes Leonor Silveira e Claudia Cardinale, a longa-metragem «Em Segunda mão», de Catarina Ruivo, e «Amanhã?», produção luso-francesa de Christine Laurent.
A 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo terminará a 1 de novembro.
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